quarta-feira, março 18, 2009

Oito sorrisos...


Um dia disseram-me que eu tinha sorrisos diferentes para casa coisa. Se bem me lembro, eram oito.

- Tenho um sorriso de dúvida, que questiona:

Gostava de saber se, como eu, também carregas amores em contra-mão, fora de estação, e sem margem de manobra.Vivo entre um casario de memórias e um pátio com espuma lavada, em dias que nunca têm tardes nubladas nem sol da manhã. 


- Há dias que o sorriso ainda existe...mas é um sorriso-de-chuva.

Por vezes chega uma tempestade que me tatua nos olhos uma chuva miudinha. Moro no tempo da chuva, numa poça sem remetente. Não queiras visitar-me nessa altura. Sairás molhado e com as palavras por dizer amarrotadas na algibeira. Esta chuva miudinha ainda faz estragos, ainda despenteia e mancha os olhos. Não venhas porque vais ensopar-te com tudo aquilo que restou do nosso chão infértil. A poça é minha e hoje não quero que me contornes.


- E há dias que existem sorrisos de saudade:

Não me falem em saudades boas ou más. Não há saudades más. Há saudades. 
Que nos atarantam, que nos deixa soluços nos olhos. Às vezes é só um pequeno lume dentro de mim, um ardor que alastra nas redondezas do músculo principal, como se na vida não houvesse outro fogo que não o da tua presença.
Às vezes sinto uma ânsia fria, um nó torcido com epicentro no estômago. Uma só vontade de saber se está tudo bem contigo. E de saber que os teus sorrisos atrevidos não perderam o sabor. Um dia, quando me leres, vais sorrir com coisas que só tu entendes. E nesse dia faremos um brinde ao que restou de nós, que é tanto... e quase tão nada.

- Depois tenho aquele sorriso sincero - daqueles que sabem bem.

Muitas vezes apetece-me esgotar a cronologia de dias felizes.
A minha certeza estende-se até ao romper do sorriso absoluto e há uma ilha em todos os olhares que me pertencem.  Imagino-me embarcada num carrocel numa festa de fogo-de-artifício ao fim da noite. 
Acho que a felicidade é assim quando transborda. É assim quando lamentamos não haver mais assoalhadas no coração. E é então que enchemos o peito de ar e nos nascem balões nos olhos. E não sabemos porquê, só sabemos que a língua transcende a palavra.

- Tenho um sorriso infantil.

Como quando fazia asneira e tentava persuadir a minha mãe a não me dar com o chinelo.
Quando eu for grande, lembrem-me de ser pequena. A infância recupera-se num berlinde, num charco, uma meia de cada cor. Ou a sonhar-te ali, com os teus olhos de sorriso.


- Tenho um sorriso babado.

Os olhos semi-cerrados, a boca húmida a pedir um lenço, o coração acelerado pelo medo de não medir as palavras e as impedir a tempo.
E enquanto as pessoas passam por mim, olho para elas como a dizer: "Plastifiquem os corações intactos, é um conselho!" Ao mesmo tempo , penso que há duas ou três coisas que ficam sempre por dizer.Resguardadas pela impotência das palavras neste silêncio macio que habita entre nós, apenas te vejo passar, atravessando a parede de ar que nos rodeia e que te envolve suavemente e me faz sonhar de passar para esse lado, onde tu estás.


- Tenho um sorriso desanimado

Às vezes regresso incólume das aventuras do dia. Outras vezes chego a casa com um pouco menos de sal, as mãos a desmancharem-se no colo, apertadas, suadas, com a tristeza à flor da pele e o cansaço, muito cansaço, a fazer-se à minha memória.E desconfio – é só uma suspeição, mas tem um cheiro forte – que já não sou capaz de amar de novo. Amar a quente, como quem vai pela vida de janelas abertas.Depois de ti, todos os meus sorrisos têm prazo de validade. Nenhum outro nome me coube na boca para sempre.

-Trago sempre comigo um sorriso de bolso, com capa e contra-capa.

Não é um sorriso de colecção, daqueles que se guardam na estante. É um sorriso com edição ilimitada, que distribuo todos os dias, mas há um cantinho da boca que agora guardo só para mim. Houve alguém que lhe conheceu todos os capítulos. Esse sorriso... ofereci-o aberto de par em par. Inteiro, irrequieto e desenhado no tacto de um gesto que me soube a pouco.Depois passei a sorrir só quando entravas nos meus olhos, para reparares que o sorriso já não era o mesmo que no início do primeiro parágrafo do livro que escrevemos juntos. Deixa que pegue na pedra mais pesada e construa o último degrau de tudo aquilo que quero dizer-te num sopro. Hás-de subir, tom por tom, sílaba a sílaba, até que me encontrares no soluço das palavras mais ternas.Anda escutar o vento sem arranhões. Ouve-me até que a noite caia e a madrugada se dobre sobre a minha garganta, para que te sorria...uma última vez.



São oito os sorrisos - Oito. E um deles, só teu.

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